Crônica Livre - AlkarO sol já havia cedido seu lugar para a lua, no céu as estrelas brilhavam graciosamente. Fiquei durante toda a tarde sentado, sobre minhas patas posteriores, observando a cidade de maneira contínua. Meus companheiros, o Garra Vermelha Rasga-Carne e o Senhor das Sombras Caçador-Da-Noite, já haviam adormecido antes mesmo do pôr do sol devido à exaustão de ter percorrido quilômetros até o lugar em que estávamos. A floresta era o meu manto, minha camuflagem, pois como uma mãe protege o filho, da mesma maneira as árvores protegiam-me dos olhos humanos. Observei a muralha, senti seu fétido odor mesmo estando longe, meu desejo era derrubá-la com minhas próprias garras. Pensei em invadir a cidade, pela Umbra, mas o número de espíritos da Weaver que rondavam o local era incrível, seria mais fácil ter acesso aos portões pelo mundo físico. Meus olhos cansaram-se, entreguei-me ao sono e tive pesadalos com a batalha do Caern do Corvo Negro. No dia seguinte fui acordado pelos raios solares que teimavam bater em meu rosto, perguntei-me se Hélios se divertia com aquilo, levantei-me e vi que meus parceiros de viagem estavam tendo um debate. Rasga-Carne defendia a idéia de entrarmos na cidade e não matar apenas o ladrão mas também toda a população. Caçador-Da-Noite, claramente tenso devido ao seu andar desfocado em círculos, defendia a idéia de sermos mais persuasivos e apenas recuperar a Pedra da Lua roubada sem causar maiores danos aos moradores da Cidade de Ouro. Fui até eles, e neste momento Caçador-Da-Noite começou a argumentar de maneira mais contundente.
- Escutem, é óbvio que o desgraçado que roubou nossa Pedra da Lua está dentro desse covil da Wyrm mas.... - o Senhor das Sombras olhou para Rasga-Carne que retribuiu o olhar com fúria em excesso.
-Mas o que? - questionou o Garra Vermelha em meio à rosnados e um tom de voz ameaçador.
-Mas antes de termos um objetivo, temos também Leis a seguir.... você sabe o que a Litania diz sobre rasgar o Véu? e sua punição? e as consequências para toda a nossa Nação caso o Véu seja rasgado?
Rasga-Carne mostrou os dentes, revidei o gesto pois Caçador-Da-Noite era meu irmão de Tribo apesar de tudo, mas o Garra Vermelha sabia que a razão estava com o Lupino negro cujo qual eu protegia. O lobo vermelho abaixou a cabeça.
- Pois bem Senhor das Sombras... o que sugere? vamos ficar parados aqui e esperar que o ladrão venha gentilmente devolver a Pedra?
Nesse momento Caçador-Da-Noite manifestou-se.
- Existe um motivo nisso tudo.... ainda não sabemos a razão da pedra ter sido roubada..tudo isso pode ser uma armadilha!
-Armadilha ou não, é nosso dever recupera-la! - respondeu o Garra Vermelha.
Não tive outra opção que não fosse concordar com o lobo vermelho. Tomei a palavra.
-Eu não dou a mínima pra vida desses macacos filhos da Weaver, de certa forma eu pensava como um Garra Vermelha devido à Kiev, mas não podemos rasgar o Véu....estamos sem saída.
-Não exatamente - respondeu meu irmão de Tribo.
- O que faremos então? - Perguntou Rasga-Carne.
Vamos usar nossa forma hominídea e entrar na cidade! disse entusiasmado o lobo negro.
Nunca! eu jamais farei algo tão decadente e sujo! essa forma é uma doença! - disse aos berros o Garra Vermelha.
A idéia de usar a forma hominídea deu-me calafrios. Eu já havia estado nessa forma antes mas confesso que depois da traição dos hominídeos do meu próprio sangue passei a evitar o uso dessa transformação. Decidimos ir caçar e pensar no que fazer depois que estivéssemos alimentados. Em Hispo corríamos como o vento, era raro quando uma presa conseguia escapar de nossas mandíbulas vorazes. Ficamos durante três dias, adiando a conversa sobre que atitude tomar, somente caçando aos arredores da cidade protegidos pela densa vegetação da floresta. Uivamos muito, relembrando com alegria e tristeza a batalha que banhou nosso Caern de sangue. Finalmente dicidimos que, por mais incômodo que fosse, teríamos de entrar na cidade. Caçador-Da-Noite e eu caçamos animais e com suas peles fizemos uma espécie de vestimenta similar a dos macacos que viviam em Constantinopla. Rasga-Carne não aceitou transformar-se em hominídeo e por isso voltou ao Caern. Meu irmão de Tribo, apesar de Lupino, tinha um conhecimento maior sobre os homens do que eu e ajudou-me a vestir o que um dia havia sido o couro de um bicho. O Senhor das Sombras executou o Ritual de Dedicação e entregou-me algo que ele havia ocultado até o momento. Tratava-se de uma espécie de Cinturão Fetiche cujo qual ele disse que seria muito útil mas que eu deveria usa-lo com cautela. Com o cinto já envolvido sobre minha cintura comecei a caminhar sobre as duas pernas, meio trêmulo devido à falta de prática em usar meus membros inferiores desta forma, além do caminhar diferenciado também éramos brutos mesmo estando na forma humana, certamente não passaríamos despercebidos pela multidão. Fomos em direção aos portões de Constantinopla.